Um problema social
por ORLANDO MARQUES FERNANDES *
A sinistralidade rodoviária é um problema social que tem custos sociais e económicos elevados. A resolução deste problema, se é certo que não reside exclusivamente numa solução jurídica, inegável é que esta terá de passar também pela via da abordagem jurídica e da análise económica do direito rodoviário, correlacionando os dados estatísticos de forma articulada com o direito estradal quer penal quer contraordenacional.
A montante, não se pode descurar a incontornável importância da formação dos agentes de fiscalização de trânsito e a preparação e competências, de quem os comanda, para que não se perpetue uma perspetiva redundante e primária de mera contabilização de autos levantados, alimentando uma néscia corrida estatística entre corpos policiais, para se avaliar quem elaborou mais autos e não quem evitou mais acidentes.
Ao nível da racionalidade económica das normas sancionadoras, dos respetivos regulamentos estradais e da fiscalização, em Portugal, no âmbito da análise económica da regulação social, sobre as causas, consequências e políticas dos acidentes de viação, tardamos em avaliar os regulamentos e a sua eficiência, designadamente, ao nível das sanções previstas e a probabilidade da sua aplicação, que tende a desenvolver nos condutores um nível de cuidado ótimo, diminuindo consequentemente o número de acidentes.
Entre as várias causas e do conjunto de fatores que interagem na ocorrência dum sinistro rodoviário, a causa que mais concorre para a sinistralidade ainda não está demonstrada científica nem estatisticamente, como sendo a velocidade, outrossim, demonstrável estatisticamente, é que para a causa dos acidentes, de forma maioritária e massiva, concorrem causas não determinadas ou não identificadas.
Sendo certo que a velocidade é a determinante na variável gravidade dos acidentes, e a principal causa de morte nas estradas, o combate à sinistralidade tem sido feito, invariavelmente tendo como causa dos acidentes a velocidade, e inexplicavelmente ainda não se alteraram procedimentos ao nível da recolha de dados estatísticos, que permitam revelar quais são de facto as causas desconhecidas ou não identificadas que têm concorrido ao longo de mais de uma década de forma massiva e expressiva para a sinistralidade rodoviária, como se pode verificar através dos dados estatísticos disponibilizados pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.
Urge recolher informação prática e impõe-se a necessidade de o legislador socorrer-se de:
- Experiência e conhecimento prático;
- Alicerçar o saber teórico num conhecimento substantivo;
- Sistematizar as variáveis;
- Intervir no complexo normativo não de forma aleatória e fragmentada, mas, sim, de forma sistemática;
- Analisar estatisticamente os dados recolhidos, estudando-os, correlacionando-os com os seus múltiplos fatores;
- Intervindo no sistema sancionatório de forma articulada e adequada à realidade rodoviária, de molde que a norma e o sistema sancionatório projetem as suas orientações visando corrigir condutas inadequadas de custos económicos e sociais elevados.
O combate à sinistralidade rodoviária em Portugal não tem surgido por iniciativa política, mas, sim, pela mediatização por parte dos partidos, quer enquanto oposição quer enquanto governo, sendo certo que, invariavelmente, os vários governos encenam de forma recorrente a identificação do problema, através da criação artificial duma diferenciação.
Mas há um problema real, que de artificial nada tem, que se chama sinistralidade e que em Portugal, segundo dados divulgados pela ANSR, no período compreendido entre 1989 e 2008, o número de vítimas mortais foi de 30 340, ou seja, morreram nas estradas portuguesas, em média por ano, 1596 indivíduos.
Urge intervir no combate a este mal social, adotando medidas eficazes, no domínio da segurança rodoviária, ao nível da fiscalização, da qualidade da via, da formação do condutor, dos acessórios de segurança dos veículos e da qualidade da legislação estradal e do seu sistema sancionatório, não de forma mascarada, ao invés, avaliando o custo e o benefício das medidas tomadas, tendo ainda um critério seletivo e competente na escolha dos dirigentes nomeados.
* Mestre em Direito
http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=2796278&page=-1
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